terça-feira, junho 17, 2003

então, como prometido...


este senhorio acima é o artista Hermann Nitsch. Ele já é um ser histórico da arte. Surge junto com os Acionistas Vienenses, na década de 60.

Este grupo, contemporâneo do Fluxus (este centrado nos EUA) também fazia suas ações. Porém, colocar o Fluxus ao lado dos Accionistas Vienenses, somente se for em linhas opostas. O grupo Fluxus (que tornara-se um grupo "mundial") assim como diversos artistas como Allan Kaprow, Jim Dine, etc. começaram a fazer os happenings (termo cunhado pelo Kaprow). Praticamente geradora da performance, eu sempre indico que a diferença de happenings e performance é a posição do artista. O happenings se direcionava a uma relação direta entre arte e vida, onde não havia a distinção de artista-público. A interação era total. Na performance há a distinção entre o artista e o público.
E enquanto os happenings tendiam a uma interação maior com o público de um modo deveras tranquilo (muitas beirando a uma terapia de grupo), os Accionistas Vienenses faziam ações extremamente violentas.

Sabe, a performance hoje, com uma intenção didática, principalmente, pode ser divida conforme a sua temática principal ou sobre questões que tratam. Assim, poderia se pensar em arte e corpo performers como Klaus Rinke ou arte e política o próprio Beuys...

E nosso caro e simpático Hermann Nitsch trabalha a performance como ritual. Há muitos estudos surgindo sobre a possibilidade de estudar um ritual cotidiano como uma performance. Mesmo se usa o termo "performance de palco" para a atuação de uma banda (e que realmente é algo "a mais" do que a música).

No entanto, pensar na performance de um Acionista Vienense, não é bem cotidiano que se espera. Eles surgem com performances extremamente violentas, muitas vezes contra o seu corpo (Günter Brus já foi chamado do pai da body art, em certa ocasião). As performances de Hermann Nitsch eram intituladas de Teatro de Orgia e Mistério. Ela evoca a performance como ritual, ela é um ritual. Os rituais sempre estiveram ligados à religião. Mesmo na Bíblia, no antigo testamento, é claro o ritual que o povo judeu tem que fazer para Deus, seja no sacrifício de um carneiro ou mesmo de um filho. Após o surgimento do cristianismo (e a predominância deste pelo mundo), rituais foram ligados à crenças pagãs e praticamente apagadas da história.
Bem... nas palavras do próprio: "A liturgia concentrada do Teatro de Orgia e Mistério pode se expandir num processo que dura uma vida inteira e acentuar seus valores e significados através de um ritual estético"[1]

digamos que é praticamente um revival dos rituais, agora com um fator novo: a estética. Nitsch se refere a tais rituais como libertadores de energias reprimidas que viriam a fazer parte do consciente pelo resto da vida.

Em palestras e oficinas, costumo sempre falar de Nitsch pois, além de ser uma figura histórica, ele quebra com muitos preconceitos em relação à arte contemporânea. Considero que ele é alguém que leva conscientemente ao excesso o conceito com o qual trabalha. O que vemos muito hoje é um conceito leviano, nunca aprofundado. Se a questão é ritual, Nitsch faz o ritual.

bem... abaixo vou colocar uma descrição de uma performance de Nitsch, há vídeos em seu sítio e demais fotografias e descrições... para quem tem problemas com cenas fortes e tudo mais, acho melhor nem ler... hehehe

Para uma Performance típica, Nitsch exige uma audiência empolgada de centenas de espectadores, um açougueiro, duas ovelhas, dois atores, dois maquinistas de teatro, um coro de quatorze pessoas e uma orquestra ruidosíssima de címbalos, ocarinas, flautas, violinos, chocalhos e sinos que geram o "êxtase".

Ao som convulsivo do bater ritmado das palmas de uma audiência desenfreada e ao clangor altíssimo da orquestra, uma ovelha, já esfolada, é alçada a uma grande altura com o auxilio de cordas. Depois de crucificada, é jogada do alto para cair violentamente ao chão. Alguns poucos participantes cobrem a carcaça com um lençol branco. Em seguida, furam o corpo da besta com ganchos de metal. E pisam furiosamente sobre sua cabeça. A cada golpe, coro e orquestra em êxtase liberam um angustiante clamor. Finalmente, lençol em pedaços, os participantes começam a rasgar membros e entranhas da ovelha.

Agora os maquinistas trazem para o ar livre um enorme tanque de madeira com água morna onde bóiam as vísceras do animal. Depois de todos os membros da audiência molharem as mãos solenemente na água ensangüentada, os maquinistas recolhem as tripas da ovelha num saco. Correm com ele três vezes ao redor dos espectadores à esquerda e outras tantas em volta dos espectadores à direita. Finalmente, o saco é levado ao centro do teatro. É o sinal para que todos saltem sobre ele, danncem enquanto se lambuzam de sangue. Enquanto isso, os maquinistas jogam sobre eles baldes de gemas de ovo, urina de vaca, éter, carne de gado, pêssegos podres, pão preto e os cabelos de uma mulher de trinta e dois anos. De repente, um ator é perseguido por alguns membros da audiência em volta do teatro. Quando é apanhado finalmente, inicia-se a cerimônia farsesca de uma crucificação.

Na segunda parte da performance, outra ovelha esfolada é arrastada para fora. Devidamente encapuzado, segue-a, solene, o próprio artista, Hermann Nitsch: "Seguro a ovelha morta pelas patas traseiras e bato-a em êxtase contra as paredes da adega. Em seguida, jogo o animal no chão e bato nele com os punhos fechados. Depois o chuto e pisoteio até que seu corpo se abra. Ponho a mão dentro da cavidade sangrenta de seu peito, pressiono meu joelho contra ele e mordo a carne crua da carcaça. Meu desempenho deixa a platéi totalmente extasiada".[2]




[1] GARDNER, J. Cultura ou Lixo: uma visão provocativa da arte contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. p. 22
[2] GARDNER, J. Cultura ou Lixo: uma visão provocativa da arte contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. p. 22-23
imagens: http://www.nitsch.org/











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